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quinta-feira, 18 de abril de 2013

A queda do império cacaueiro no Sul da Bahia.

 
A vassoura-de-bruxa é considerada uma das mais sérias doenças para a economia dos países produtores de cacau, porque é capaz de reduzir drasticamente a produção dos cacauais ou levá-los a total debilitação se medidas de controle fitossanitárias não forem tomadas com persistência. Um exemplo típico do que este infortúnio pode fazer é o caso do Equador, que apesar de ter ocupado a primeira posição no mercado internacional de cacau no século passado, chegando a produzir mais amêndoas do que todo o continente africano, até 1905, reduziu a sua participação para apenas 38% do mercado mundial, no início deste século. No Brasil nos estados da Amazônia e Pará onde a enfermidade existe há muito, visto que o cacau é originário daquela região, e é bastante disseminada, as perdas de frutos pela doença chegam a 40 %. Em Rondônia, a situação ainda é pior e as perdas já foram verificadas em até 90 % dos frutos que poderiam geram riquezas e rendas para os agricultores.   
A doença é causada pelo fungo Crinipellis perniciosa que infecta tecidos vegetativos em crescimento (almofadas florais, brotos, lançamentos de folhas novas, flores e frutos); quando ocorre a infecção nestas partes da planta, verifica-se um superbrotamento de tecidos e um "inchaço", vulgarmente conhecido como "vassoura-de-bruxa".
Anteriormente restrita a Região Amazônica de onde nunca deveria ter escapado, a doença foi detectada no sul da Bahia no ano de 1989, exatamente no município de Uruçuca, distante 40 km da cidade de Ilhéus. Inicialmente de forma tímida e rara, mas que causou um verdadeiro alvoroço entre os técnicos-cientistas, produtores, e a população de maneira geral; a partir desta data a CEPLAC formou um grupo de trabalho composto por fitopatologistas do Centro de Pesquisas do Cacau e também da Amazônia, onde o órgão mantém atividades e possuía maior intimidade com o problema, visando dimensionar a área afetada e estabelecer estratégias imediatas para tentar conter a doença.
O maior desastre para a cacauicultura baiana foi o fato de que o comportamento da moléstia na Bahia, ter sido diferente do que se verificava na região norte do Brasil. Atribui-se esse fato a diversos fatores: o relevo acidentado predominante na propriedades baianas, a contigüidade das plantações de cacau formando verdadeiros lençóis da cultura, favorecendo a disseminação, o índice pluviométrico caracterizado por uma constância de chuvas durante todo ano, e a descapitalização dos produtores pelos baixos preços internacionais. Por isso a "vassoura-de-bruxa", doença de convivência viável na região amazônica através de podas e remoções das partes afetadas, encontrou aqui o seu ambiente ideal, tal como o próprio cacaueiro encontrou as melhores condições para vicejar, no final do século passado às margens do Rio Pardo.
 
A "vassoura-de-bruxa" foi a responsável pelo abandono do cultivo do cacau no Suriname e na Guiana. O fungo é nativo da Bacia Amazônica de onde propagou-se para a Bolívia, Amazônia brasileira, Colômbia, Guiana, Equador, Peru, Suriname, Venezuela e as ilhas indo-ocidentais de Granada e Trinidad. Era de esperar-se que a grande distância entre a região norte e o sul da Bahia limitasse a propagação natural da doença; temendo a possibilidade desse contágio, a CEPLAC estabeleceu barreiras contra o transporte de material botânico e cacau em amêndoas da Amazônia para a Bahia e o Espírito Santo; era a CAVAB que foi logicamente desativada quando ocorreu o contágio. A doença ainda não foi detectada na Jamaica e nem no continente africano o que explica a posição elevada no mercado mundial dos países da África Ocidental.
A queda de produção em todos os países infectados varia de ano à ano, a depender das condições climáticas de cada safra. Isto porque, uma vez instalada, não é possível livrar-se da enfermidade. Assim as perdas são acentuadas, porém variáveis. Em Trinidad, por exemplo, em 1944, no auge da infecção, houve um ataque de 68% do total da colheita. Em 1959, no Equador, 80% dos frutos estavam quase ou totalmente danificados e imprestáveis para o aproveitamento.
 
A chegada do cacau ao sul da Bahia.

Originário da Bacia Amazônica, o cacau foi trazido para o sul da Bahia pelo colono francês Frederico Warneau, em 1746, encontrando condições climáticas e telúricas excelentes, semelhantes as da região originária (ANDRADE, 2003).
O cacaueiro começa a dar frutos três anos após seu plantio, fornecendo três ou quatro colheitas anuais. O sistema utilizado para o cultivo do cacau em Ilhéus aproveita as árvores nativas de grande porte para sombreamento do cacaueiro, método conhecido regionalmente como cabruca. Esse modelo de produção contribuiu para a conservação de grandes extensões da floresta tropical primária.
A elevação da então vila de São Jorge dos Ilhéus à condição de cidade em 1881 e o aumento na produção do cultivo, que alcançou, nove anos após denota a importância que o cacau obteve, balizando a economia e influenciando a sociedade.
A elevação à condição de cidade em 1881 confirma o crescimento do cultivo desse produto, alcançando, nove anos após, o status de principal produto do município. De acordo com Alvim e Rosário (1972) já em 1895, 112 mil sacos de cacau eram exportados, chegando a 29 mil toneladas anuais em 1910, tornando Ilhéus um dos maiores produtores de cacau do mundo.
A alta produção originou necessidades que foram prontamente resolvidas pela riqueza proveniente da cacauicultura. Os capitais gerados com a produção do cacau foram responsáveis, em grande parte, pela construção de estradas de ferro, do porto e do aeroporto de Ilhéus, interligando a cidade a rede de comunicações, facilitando o escoamento da produção. Além da infra-estrutura logística, a economia cacaueira contribuiu na construção da rede de iluminação elétrica e de esgoto, escolas, igrejas, prédios, etc. Mais do que influência econômica, o cacau motivou a geração de uma cultura.
Vinháes (2001) afirma que esse episódio transformou Ilhéus, e toda a região cacaueira, num verdadeiro "eldorado", atraindo imigrantes de toda a parte do Brasil. A cidade crescia, tornando-se a mais próspera do interior da Bahia. A população também crescia, tendo um aumento de mais de 700% num período de trinta anos, saltando de 7.629 em 1890 para 63.912 em1920 (ANDRADE, 2003).

 

A crise na lavoura.

A primeira grande crise ocorreu em 1930, quando predominava a produção de cacau comercial. Nesse período, houve uma queda brusca de preço das commodities internacionais, entre elas o cacau e seus derivados, decorrente da queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque (crise de 1929) e que atingiu a economia mundial como um todo. O agravante da situação já preocupante da lavoura cacaueira se deu com a Segunda Guerra Mundial que influiu ainda mais para a desestruturação de muitos produtores.
Além desses problemas, o produtor estava endividado e desanimado com o cultivo do cacau, pois não havia perspectivas de mudanças no quadro em que se encontrava a “civilização do cacau” naquele ano. Foi justamente nesse cenário de desalento que o Governo Federal criou a CEPLAC (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), vinculada ao Ministério da Fazenda, pelo Decreto nº 40.987, de 20 de fevereiro, com sede em Ilhéus. O objetivo da CEPLAC foi o de alongar por mais tempo a dívida dos produtores, devida a importância dessa lavoura para a economia regional. (ROCHA, 2008).
A luta da CEPLAC pela lavoura cacaueira encontra ao longo de sua trajetória pesados obstáculos e, no final da década de 1980, os produtores enfrentam a sua pior crise. “A orgulhosa região do cacau viu sua receita descer ladeira abaixo, depois de chegar a um patamar de exportação em torno de um bilhão de dólares, para ficar em torno de 100 milhões de dólares” (AGORA, nov./1999, p. 2). A região cacaueira baiana viu-se, então, com um grande número de desempregados, desesperados à procura de ocupação para sobreviver. Muitas pessoas enfrentaram dificuldades extremas por falta de trabalho nas fazendas, inflando assim, as favelas dos centros urbanos de cidades como Itabuna e Ilhéus.
 

Terrorismo Biológico no sul da Bahia?
 
Em quatro entrevistas a Revista VEJA, o técnico em administração Luiz Henrique Franco Timóteo, baiano, 54 anos, contou detalhes de como ele próprio, então ardoroso militante esquerdista do PDT, se juntou a outros cinco militantes do PT para conceber e executar a sabotagem. O grupo, que já atuava em greves e protestos organizados na década de 80 em Itabuna, a principal cidade da região cacaueira da Bahia, pretendia aplicar um golpe mortal nos barões do cacau, cujo vasto poder econômico se desdobrava numa incontrastável influência política na região. O grupo entendeu que a melhor forma de minar o domínio político da elite local seria por meio de um ataque à base de seu poder econômico – as fazendas de cacau. "O imperialismo dos coronéis era muito grande. Só se candidatava a vereador e prefeito quem eles queriam", diz Franco Timóteo. Link da reportagem (http://veja.abril.com.br/210606/p_060.html).
A suspeita de terrorismo biológico ganha força, através de um documentário elaborado por Dílson Araújo, chamado de "O nó: Ato humano deliberado."
O documentário traz uma série de depoimentos e documentos oficiais, além de histórias de perdas financeiras, familiares e humanas ocorridas nessas terras a partir do fim dos anos 80 do século passado. Foi o fim de uma era, e é impossível traduzir em palavras a tragédia que se deu nessa região, onde mais de 250 mil trabalhadores perderam seus empregos nas fazendas de cacau e o êxodo para as cidades chegou a 800 mil pessoas.
Pesquisadores ouvidos no documentário atestam que o inchaço das favelas e todos os problemas sociais que vieram a reboque, como a falta de infraestrutura e a violência, têm relação direta com a bruxa que assombrou a região. Suas consequências foram também ambientais, com a destruição do sistema da cabruca em 600 mil hectares de fazendas. Muitas áreas onde a Mata Atlântica permanecia intacta, em uma convivência produtiva e ecológica de mais de dois séculos, foram transformadas em pastagens e a madeira nativa foi alimentar as serrarias. O Nó apresenta várias, sem deixar de mostrar que os cacauicultores foram vítimas duas vezes. Uma quando a vassoura se instalou, com galhos amarrados diligentemente por mãos assassinas; a outra quando a Ceplac recomendou providências equivocadas, que levaram os produtores a assumir dívidas que lhes atormentam até hoje. Os bancos exigem que eles paguem pelo que não surtiu efeito e o governo não assume o ônus pela falha.

 

Documentário "Os Magníficos".


 

 

O documentário mostra a ascensão, queda e superação da lavoura cacaueira do sul da Bahia através do drama de três personagens, que tiveram uma queda vertiginosa em seu padrão social e precisaram se adaptar e reconstruir suas vidas a partir de uma nova realidade.
Constituído a partir de depoimentos, o documentário indica que a reconstrução da vida dos ex-barões do cacau podia significar, inclusive, o isolamento e a invisibilidade social. Apesar de não pretender realizar um relato analítico da tragédia social ou da crise econômica da zona cacaueira, a produção aborda o efeito desta época nos homens e mulheres que a viveram.
Os Magníficos explora os motivos e o processo desta decadência, retratando não só a busca de uma reconstrução sócio-econômica, mas também individual e espiritual.
O diretor Bernard Attal utilizou o padrão estético da obra de Welles para fotografar e ambientar seu filme que utiliza imagens de arquivo para ilustrar o processo de apogeu da época de ouro da região, antes da passagem pelo declínio econômico, causado pela praga “vassoura-de-bruxa”.
Attal fez o registro audiovisual da atual realidade da zona cacaueira, com imagens das fazendas, prédios, casarões, ferrovias – as fazendas sem donos, os secadores sem função, as igrejas sem fiéis, as cidades esvaziadas.
Os depoimentos são o eixo principal do documentário e toda a narração do filme é feita pelos entrevistados, que contam sua história e tratam do processo interno pelo qual passaram e ainda estão vivenciando.
A principal força de Os Magníficos está na sua atualidade e humanidade. Os depoimentos são divididos em três fases: lembranças da vida áurea; queda social e existencial; e nova postura de cada um com a vida e futuro. Por conta disso, o documento é organizado em três capítulos: A Soberba, A Decadência e A Superação.


Fontes:
 
Portal São Francisco. Disponível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/cacau/cacau-4.php>
 
Pimenta na Muqueca. Disponível em: <http://www.pimenta.blog.br/tag/dilson-araujo/>
 
Os Magníficos. Ano: 2009. Gênero: documentário. Direção: Bernard Attal. Co-produção: Bernard Attal Ondina Filmes IRDEB - TVE Bahia.
 


MARTINS, P. T. A. Os reflexos da crise da lavoura cacaueira nos ecossistemas de manguezal do município de Ilhéus, Bahia. Geografia - v. 16, n. 1, jan./jun. 2007 – Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geociências.

 

RODRIGUES, K. G.; SILVA, C. de. C. A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NO MUNICÍPIO DE ITABUNA: EXPANSÃO E TRANSFORMAÇÃO URBANA APÓS A CRISE DO CACAU. Associação Brasileira de Geógrafos - AGB, 2010.

 

 

2 comentários:

  1. Gostaria muito de ver completo, ficarei grata. Meu pai esta nesse comentário.estou em portugal, tento ver e nao consigo, muito obrigada

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  2. Sou bisneta de um dos " barões do cacau da Bahia.
    Gostaria de saber mais e relatar um pouco da história.

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